domingo, janeiro 9

Um pequeno texto para uma grande reflexão

Conforme declarou Nietzsche em “O viajante e sua sombra”, a palavra homem significa aquele que avalia: ele quis denominar-se pelo seu maior descobrimento. Ora, nós não somos indiferentes tanto em relação àqueles elementos que favorecem a nossa existência e, por isso, os buscamos [sentido positivo do valor], quanto em relação àqueles que nos prejudicam e, por isso, os buscamos [sentido positivo do valor], quanto em relação àqueles que nos prejudicam e, por isso os rejeitamos [sentido negativo]. Constatamos, pois, em primeira instancia, que a situação abra ao homem um campo imenso de valores: é o domínio do prático-utilitário. O homem tem necessidades que precisam ser satisfeitas e este fato o leva à valoração e aos valores. Mas, se o homem não permanece indiferente frente às coisas, isto significa que ele não é um ser passivo, totalmente condicionado pela situação. Por este motivo ele reage à situação e intervém pessoalmente para aceitar, rejeitar ou transformar.

Surge as indagações
O próprio Nietzsche, na sua crítica à transvaloração dos valores, de alguma forma, não estaria cultivando uma disposição negativa ante ao modo de ser da realidade, considerando-se o contexto histórico em que ele vivia? Não estaria ele, implícita ou explicitamente, tentando edificar uma nova moralidade segunda a qual o único critério da existência é o próprio ser?

Em sua "Genealogia da moral"  Nietzsche disserta que os valores, por estarem articulados com o próprio modo de dar-se da vida, isto é, com o movimento da vontade, são sempre passíveis de apreensão através de duas disposições fundamentais: as disposições afirmativa e reativa. Respectivamente, aquelas que indicam sintonia e des-sintonia com a compreensão de vida como valor. No primeiro caso, a disposição afirmativa surge na sintonia com uma perspectiva que se constrói a partir do aquiescimento do modo de ser sempiterno da gênese de realidade, celebrando a vida enquanto experiência de criação. A esse processo Nietzsche chama vontade criadora. No segundo caso, a disposição negativa irrompe em uma perspectiva que, ao se instaurar, nega a si mesma enquanto perspectiva e se arroga o direito de determinar (para além de toda e qualquer instância de realização) o modo de ser da totalidade dos entes. Esta é a compreensão da verdade, como uma instância que surge em função da separação radical frente ao mundo fenomênico, recebe o nome de vontade de verdade.

Estas determinações vão se confundindo aos poucos, no movimento de concretização do processo de valoração, com as determinações da substancialidade subjetiva, com a natureza da razão especulativa. Daí, a vontade de verdade valer como uma vontade de auto-asseguramento, sendo uma experiência derivada que nasce da compreensão de que a vida é radicalmente movimento de repetição do momento constitutivo de origem; um momento impossível de ser apropriado pelo pensamento lógico-representativo. Essa impossibilidade de apropriação e controle do momento primeiro, que atravessa o acontecimento vida, apesar de ser constantemente experimentada pelo homem no caminho histórico de sua realização, pode ser degradada por um artifício da imaginação (NIETZSCHE, 1998).

Assim, a existência humana, embora originária da natureza, resulta de uma ação que a nega manifestando-se como projeto dos próprios homens e, enquanto tal, configura-se como um fenômeno cultural que se desenvolve no tempo. Portanto, a existência humana se manifesta como temporalidade, isto é, como historia. Segue-se, pois, que o homem é um ser essencialmente histórico, cuja estrutura se expressa na unidade dialética de três elementos que se negam e se afirmam reciprocamente: situação, liberdade e consciência.

Bibliografia:
NIETZSCHE, W. F.Genealogia da moral: uma Polêmica. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 

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