sábado, agosto 18

De repente um silêncio

"De repente um silêncio. Uma ausência completa de certezas. Aos meus pés, um novo caminho, uma estrada desbotada, esperando pela cor dos meus passos. Um de cada vez, agora. A pressa despediu-se e partiu, deixando em mim a inédita possibilidade de viver sem dor. Desapego. Perdas necessárias para que seja possível haver espaço para o novo. O novo olhar sobre as mesmas coisas, o novo respirar dos mesmos ares, o novo querer sobre as mesmas vontades. Um momento nunca antes sonhado, nem sequer previsto. 
Tudo diferente. Um script alheio a essa história, que já me parecia tão precocemente escrita. Palavras novas. O papel em branco desejando ser preenchido. As horas, tão longas agora, trazendo de volta as chances que desperdicei. Pouco tempo pra sonhar. Poucos sonhos tornados realidade. E no vazio da minha vida, vou procurando sentido para tudo que ainda há de ser. Resgato em mim a força, quase perdida; a esperança, quase morta; a fé, quase adormecida. Sigo firme, embora sabendo muito pouco. Aceito, com a serenidade que me é possível manter, o recomeço, a nova etapa, o singelo recado da vida. Do futuro, admito nada saber. E reconheço, sem ao certo entender como, que aquele livro chegou ao fim. Mais que uma página virada, uma história que teve seu ciclo terminado. Sobre as incertezas todas, construo meu universo de possibilidades. Sabendo, enfim, que a única opção é continuar…"

Por: Francisca Araújo apud Saraswati.

domingo, agosto 12

Confidência



Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome.

Por: Francisca Araujo apud Mia Couto