sábado, outubro 17

Cidadania & Casamento: Uma troca que existe e persiste?

Para se proteger da intolerância contra os imigrantes
 e voltar a ser uma cidadã, com todos os direitos...

Brasileiras que vivem no exterior recorrem ao casamento de fachada. Com um marido de mentira, elas saem da clandestinidade... mas continuam correndo riscos. Carla, 31 anos, é diretora de recursos humanos na cidade californiana de Costa Mesa. Helena, 42, tem um restaurante em Londres. Rosa, 35, é dançarina em Tóquio. As três brasileiras arranjaram um casamento de fachada na tentativa de driblar a clandestinidade. Um marido nacional poderia lhes devolver a condição de cidadãs e o direito de trabalhar, dirigir o próprio carro, abrir um negócio, comprar um imóvel, entrar no país que escolheram para viver - ou sair dele - sem sobressaltos. Tudo na legalidade. Rosa ainda precisa se esconder da fiscalização porque o "marido" sumiu. As outras duas mulheres estão em paz com a polícia de imigração, mas não podem sequer revelar o nome verdadeiro nesta reportagem para não sofrer retaliações ou ter o passaporte cancelado.

Na tentativa de acabar com a clandestinidade, foi aprovado em 16 de outubro/2008, pelo Parlamento Europeu, com o apoio dos chefes de Estado dos 27 países membros da União Europeia, o documento Pacto Europeu, também conhecido como Pacto Sarkozy. Este, endurece o controle nas fronteiras e facilita a expulsão dos irregulares, estabelece, entre outras coisas, a Diretiva de Retorno, que prevê que, a partir de 2010, o estrangeiro em situação irregular terá até 30 dias para voltar ao país de origem; caso contrário, poderá ficar detido por até 18 meses antes da expulsão.

As novas medidas devem acelerar ainda mais a caça ao casamento por conveniência em Portugal, na Espanha e Inglaterra, nações europeias mais procuradas pelas brasileiras. Mas mesmo essa não é uma solução fácil. A mulher tem que ficar atrelada a um homem por anos. Ainda que não viva sob o mesmo teto, é obrigada a manter a aparência de que está bem casada. No período em que esperam pela legalização, essas brasileiras sentem-se angustiadas com a possibilidade de ser desmascaradas.

Ano passado, mes de setembro, em Lisboa, o Partido Nacional Renovador (PNR), de extrema-direita, ergueu em uma importante avenida da capital portuguesa um outdoor que dizia “Imigração? Nós dizemos não!” Uma ilustração preconceituosa acompanhava o título: uma ovelha branca expulsando do país seis ovelhas negras que representam, nas palavras do partido, “as causas e conseqüências de certos cânceres do país: criminalidade, desemprego, baixos salários, multiculturalismo, fronteiras abertas e subsídio dependência.” A onda de violência divulgada nos últimos meses pela imprensa portuguesa e que envolveu alguns imigrantes – brasileiros, inclusive --, além da crise financeira mundial, estimularam o PNR, um partido, na verdade, sem grande expressão, a tomar uma atitude dessas.

O cartaz ficou uma semana à vista, pois as autoridades de Lisboa exigiram a sua retirada. Mas foi tempo suficiente para provocar uma bela polêmica. Há anos que o tema imigração gera discórdia. Não é daqueles assuntos confortáveis para se levantar em qualquer tasca, taberna ou pub. As sociedades européias andam sensíveis. Uns compartilham as idéias do PNR, outros compreendem que a miscigenação ajuda a enriquecer o país cultural e economicamente. Defendem que a Europa possui muitos imigrantes pelo mundo afora e, por isso, teria a obrigação de receber os outros povos. É uma conversa sem consenso, mas que merece atenção.

Segundo estimativas da União Européia (UE), existem no seu território cerca de oito milhões de imigrantes ilegais. E o bloco dos 27 países assume que não tem condições de receber decentemente todos os migrantes que buscam aqui uma vida melhor. O combate aos irregulares é uma bandeira levantada pela UE em conjunto e por alguns governos em particular, como o de Silvio Berlusconi, que assim que voltou ao poder na Itália colocou nas ruas das principais cidades três mil militares armados com o argumento de aumentar a segurança, mas os policiais também formam aproveitados para vigiar os centros de imigrantes. Recentemente, o senado do país aprovou uma série de medidas contra os ilegais. A sucessão de deportações que aconteceu no início de 2008 no aeroporto de Madri e causou algum desconforto diplomático entre Brasil e Espanha é um outro exemplo. Para muitos especialistas, o episódio teve um fundo político, já que coincidiu com o período pré-eleitoral espanhol.

Cabe lembrar que o chamado Pacto Europeu sobre Imigração e Asilo, que também é conhecido como Pacto Sarkozy porque foi impulsionado pelo presidente francês estabelece uma política comum entre os países do bloco e consiste em cinco pontos: organizar a imigração legal de acordo com as necessidades e a capacidade de acolhimento, combater a imigração ilegal e expulsar os irregulares, fortalecer o controle nas fronteiras, aumentar a cooperação com os países de origem e melhorar o sistema de asilo.

Muitas vozes já anunciavam que estaria em processo a construção da intransponível “fortaleza” européia. Mas se por um lado, o bloco pretende combater a imigração ilegal e desenfreada, por outro, confessa que tem uma necessidade urgente de atrair trabalhadores. Prevê-se que até 2050 a União Européia necessitará de 20 milhões de profissionais estrangeiros devido à redução da população local. A intenção é seduzir imigrantes qualificados, que já somam 10% da população ativa na Austrália, 7% no Canadá e 3% nos Estados Unidos, por exemplo. Na Europa, esse grupo corresponde a apenas 1,7% dos trabalhadores. Para atingir a meta, a UE pretende implementar o “blue card”, um sistema que, como o “green card” americano, permitirá a entrada de pessoas qualificadas e necessárias ao mercado de trabalho.

Algumas das perguntas que ficam: será que essas medidas vão mesmo desencorajar os africanos famintos que na luta desesperada pela sobrevivência encaram uma viagem arriscada, em embarcações precárias, em direção ao mediterrâneo? Será que os brasileiros que ouvem histórias do primo ou do fulano que conseguiu construir a tão sonhada casa no Brasil com o dinheiro que mandava da Itália, da Espanha ou de Portugal vão deixar de ter o desejo de fazer o mesmo? Não seria mais prudente a Europa e o mundo pensarem (de verdade) em melhorar as condições nos países de origem dos imigrantes? Não seria mais prudente o Brasil alertar o seu povo de que aquele sonho de “fazer a América/Europa” já não é tão promissor?


Fontes: advogados Iara Nogueira Morton (EUA), Etsuo Ishikawa (Japão), João Bezerra (Portugal) e Vitória Nabas (Reino Unido) - Realização Sylvia Radovan/ Reportagem Ewerthon Tobace Claúdia Abril

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